De 1998 a 2018, quase 15 mil jovens foram assassinados na capital pernambucana. Números que vão muito além da estatística. Um triste retrato da violência.
Considerada a Veneza Brasileira diante da grande quantidade de canais, córregos e rios, Recife é daquelas cidades que encanta seus visitantes por sua beleza natural, arte, cultura e festas regadas a muita música e danças. Um espetáculo de luz, cores e sensações que animam seu povo festeiro e receptivo. A arte e a história dessa cidade são reflexos da força do seu povo e das lutas travadas, à custa de muito sangue e suor. E quando se fala em história, como não lembrar do aprendido ao longo da formação escolar: das batalhas, das conquistas e derrotas das nações e de seus povos. São tantas estórias além-mar, que não se presta conta das histórias e narrativas que estão sendo desenvolvidas e construídas ao lado, na porta das próprias casas, sobre o chão no qual se pisa e caminham rumo aos destinos cotidianos.
De acordo com o DataSus, 14.874 jovens, de 15 a 29 anos, foram mortos de maneira violenta na cidade do Recife de 1998 ao ano de 2018. Uma verdadeira guerra contra a juventude. Dados estatísticos que expressam não apenas o quantitativo de vidas perdidas para a violência, como também a ausência e necessidade de políticas públicas voltadas para a juventude da cidade, com enfase, aos jovens mais vulneráveis. Pois uma geração perdida diante da inercia do poder público, não volta mais.
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Moradora do bairro de Santo Amaro, área central do Recife, dona Regilene Cabral Martins, 65 anos, conhecida como dona Régis, critica a falta de emprego e de oportunidades para a juventude do Recife, o que ao seu ver, corrobora para a entrada dos jovens no mundo da criminalidade, sendo um fator determinante para o envolvimento deles no mundo das drogas. Dona Regilene, é mãe de 04 filhos, sendo um deles do sexo masculino, assassinado há 17 anos: “-Lembro com se fosse hoje… se estivesse vivo, meu filho estaria com 36 anos. Foi morto com um tiro na testa pela polícia. Eu quase morri, fiquei muito doente quando perdi meu filho”, desabafou dona Regis.
Legenda: Criança vendendo produtos na Estação do Metrô Joana Bezerra, no Recife.O depoimento de um mãe que perdeu seu filho vítima de violência, é um testemunho muito triste de uma face obscura da sociedade brasileira. Quantos jovens perderam suas vidas no Recife e em outros cantos do país por motivos semelhantes. Quem nunca ouviu alguém falar “que a vida é feita de escolhas, e se morreu, é porque merecia”. Como se viver e morrer, diante de cenários de violência, fosse opcional. Para a pedagoga, Rafaela Regina, 37 anos, a juventude periférica sofre diversos preconceitos. Além de problemas advindos de sua estrutura familiar, o que os torna vulneráveis e solitários nos âmbitos da educação, na busca pelo emprego e renda, levando-os a morte pela soma das desigualdades sociais. Sendo o estado o principal culpado por essas problemáticas, concluiu.
Quantas vidas e narrativas foram interrompidas de maneira precoce. Quantas vozes caladas e silenciadas à surdina, interrompendo projetos de vida, anulando sonhos e expectativas. Assim, observa-se os relatos sobre muitos jovens. Histórias interrompidas de maneira abrupta pela violência e por suas precoces partidas. Quantos órfãos choraram a ausência sentida de seus pais. Quantas pais tiveram o peito dilacerado a partir do assassinato de seus filhos, perdendo o sentido de suas vidas. Muitos tirados violentamente de seus colos e da sua convivência. São relatos esquecidos. Casos de criminalidade muito além da estatística. A face oculta de uma dor que o tempo não consegue curar.